Abrir-se ao desejo e à contingência da vida
- Kin Aguiar
- 21 de jan. de 2021
- 2 min de leitura
Uma análise não é garantia pra nada. Ela funciona no incessante de apontar para a aposta.
A gente fala muito de guiar-se pelo desejo, de estar aberto ao incerto. Parece difícil demais. E é. Por isso, talvez, a análise seja cara - não no sentido da cifra financeira - e dure alguns bons anos. E também talvez seja por isso que alguns abandonem. Haver-se com o desejo e as não-garantias pode ser horripilante.
Mas com o tempo, o horror vai passando, o valor da análise vai tomando outros contornos e significações, e a gente se vê atrelado mesmo a isso - ao desejo. Quando o desejo toma seu lugar na palavra, não dá pra apagar. E isso não significa que diremos que o nosso desejo é sempre o mesmo. Pelo contrário! O desejo na análise um dia pode ser cachorro-quente e no outro, sushi. Pode ser desejar ser um alto executivo, num dia, ou um artista na semana seguinte.
A análise é porta aberta pras nossas invenções desejantes.
Permitir-se questionar o desejo, balançar um pouco aquilo que era tão rígido e tão repleto de sentido: é justamente aí que a graça da análise nasce! Abrir-se ao desejo é poder dizê-lo e depois não dizê-lo mais.
Engana-se quem acha que “encontrar o tal desejo” “balizar-se pelo desejo” é encontrar uma coisa fixa, como quem diz “ah, então é isso, achei”. O desejo é rabugento e deslizante.
“Mas se eu falei que quero isso numa sessão, como vou falar pro meu analista agora que não é mais aquilo?”. O analista não está interessado no sentido! O que fez sentido num momento da análise pode não mais se sustentar num momento outro. É preciso deixar cair um tiquinho das nossas consistências.
É sair da consistência e passar para a contingência. Para o incerto, para o de repente, para o vai que.. É quando paramos de sustentar as certezas que podemos abrir caminhos novos, caminhos desejantes. Isso soa assustador, e o é. Mas pode haver também uma beleza ímpar no assustador. Não ter as tais garantias pode nos levar a lugares que até então pareciam impossíveis.
Vamos ficar por aqui.
Kin Aguiar

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